Revista Veja » Edição 2170 / 13 de junho de 2010
O criador dos prédios espetaculares
Ninguém  passa incólume pelos edifícios do espanhol 
Santiago  Calatrava. Sua mais recente criação é  um 
museu no Rio de Janeiro

Marcelo Bortoloti e Silvia Rogar
| Fotos Massimo  Borchi/Corbis/Latin Stock e David  Brabyn/Latin Stock  | 
| O  arquiteto e sua obra Calatrava (à dir.) e o complexo cultural que ergueu em Valência, sua cidade natal: transformação da paisagem | 
Expoente da chamada  arquitetura-espetáculo                  com seus prédios de vidro e aço que lembram verdadeiras  esculturas                  gigantes, o espanhol Santiago Calatrava, 58 anos,  isolou-se dois meses atrás                  num chalé encravado nos Alpes suíços para debruçar-se                  sobre seu mais novo e ambicioso projeto: o edifício que,  em 2012, abrigará                um museu dedicado à ciência e à tecnologia, no Rio de  Janeiro.                  Depois de duas visitas à cidade, mais de 200 desenhos e  um disciplinado                  estudo sobre o movimento das plantas, Calatrava chegou à  forma estilizada                  de um caule recoberto por painéis de aço, que se abrem e  fecham                  como pétalas. Pode-se dizer que o prédio – cujo projeto  será                apresentado pelo próprio arquiteto na próxima  segunda-feira, no                  Rio (veja foto abaixo) – é uma boa síntese                  de sua obra. Ali, veem-se as grandes dimensões típicas  de seus edifícios,                  os traços inspirados na natureza e a estrutura em  movimento, um efeito                  produzido com base em cálculos milimétricos conduzidos  pelo próprio                  Calatrava. No museu carioca, caberá a um sistema  hidráulico, controlado                  por um sofisticado programa de computador, fazer com que  tais placas se movimentem                  de modo que permaneçam mais tempo na direção do sol e em                   90 graus. A ideia é que, assim, elas absorvam a maior  quantidade possível                  de energia para mover a engrenagem. Também engenheiro de  formação,                  Calatrava resume a VEJA: "Para mim, é justamente o rigor  da engenharia                  que alça a arquitetura a um patamar mais elevado". 
Os                  edifícios que levam a assinatura do arquiteto espanhol  têm em comum                  o fato de jamais se integrarem harmonicamente à paisagem  – ao contrário,                  eles sempre chocam. Sua obra está espalhada pela Europa,  Estados Unidos,                  Canadá e Argentina, onde Calatrava ergueu uma das mais  engenhosas de suas                  quarenta pontes. Debruçada sobre o Rio da Prata, em  Buenos Aires, a estrutura                  foi projetada para girar em torno de um único eixo  fincado sob as águas,                  de maneira a abrir passagem para navios de grande porte.  Entre seus mais ousados                  trabalhos, figura o Museu de Arte de Milwaukee, nos  Estados Unidos, que atrai                  atenção pelos tubos de aço formando a silhueta de um  pássaro                  cujas asas atingem 66 metros de comprimento. Num  discreto movimento, elas se posicionam                  ora para cima, ora para baixo. O mais impressionante  conjunto de autoria de Calatrava,                  no entanto, fica em Valência, sua cidade natal. Ali, ele  ergueu um planetário                  em formato de olho humano adornado com gigantescas  pálpebras de aço                  em constante abre e fecha e ainda uma ópera que lembra a  cabeça                  de uma serpente (nem todo mundo gosta, mas não há como  não                  parar para ver). Diz-se na Espanha que Calatrava  representa para Valência                  o mesmo que o catalão Antonio Gaudí significou para  Barcelona, no                  princípio do século XX. Diz Paulo Fonseca, professor da  Faculdade                  de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo:  "Ambos deixaram                  marcas que hoje são indissociáveis dessas cidades". 
Obcecado                  pela arquitetura – a ponto de um de seus quatro filhos,  Gabriel, um engenheiro                  de 27 anos com quem ele trabalha, dizer que "meu pai não  tem outro                  hobby na vida" –, Calatrava é dono de um processo  criativo singular.                  A começar pelo fato de seu ponto de partida não serem  apenas desenhos,                  mas também aquarelas, que ele produz às centenas com  verdadeira                  ambição artística, até chegar à forma final.                  Para se ter uma ideia, a cada projeto Calatrava chega a  publicar um novo livro                  com seus esboços. Outra de suas particularidades diz  respeito a um apreço                  fora do comum por maquetes – tanto que ele mantém uma  fábrica                  na Suíça, onde um grupo de engenheiros especializados  desenvolve                  modelos de até 2 metros de altura que simulam em  miniatura todas as engrenagens                  concebidas para os edifícios. Ao referir-se ao próprio  processo                  de criação, Calatrava gosta de citar o escultor francês  Auguste                  Rodin (1840-1917): "Inspiração é algo que não                  existe". Vaidoso, ele guarda seus 100 000 desenhos (até  os esboços                  mais rudimentares) e 500 maquetes em suas três  residências –                em Valência, Zurique e Nova York, onde passa mais tempo.  Ali, ocupa com                  os filhos e a mulher, a advogada sueca Tina Marangoni,  57 anos, três casas                  geminadas na elegante Park Avenue. À frente de uma  equipe de 100 funcionários,    é Calatrava quem dá a palavra final sobre tudo. "Meu marido    é um centralizador", define Tina. 
A arquitetura-espetáculo                  representada por ele não compõe exatamente uma nova  corrente –                tais são as diferenças de estilo entre seus mais  proeminentes nomes,                  como o americano Frank Gehry (autor do Museu de Bilbao) e  o holandês Rem                  Koolhaas (do Museu Gug-genheim de Las Vegas). Suas  obras, no entanto, guardam                  uma notável semelhança: amparadas por programas de  computador e                  técnicas de construção que permitem edificar prédios                  em formatos tão ousados que parecem desafiar as leis da  física,                  elas sempre provocam uma transformação radical no  cenário.    "Pela liberdade extrema dos traços, é uma arquitetura que se                  aproxima muito do design", diz Mônica Junqueira, doutora  em história                  da arquitetura. Caso exemplar desse conceito é o  edifício Turning                  Torso, na cidade sueca de Malmö, assinado por Calatrava.  Trata-se de um espigão                  residencial de 54 andares que imita um tronco humano  retorcido até 90 graus                  (ideia que surgiu a partir de uma escultura feita pelo  arquiteto dez anos antes).                  Não raro, Calatrava é alvo de críticos que o acusam de  repetir-se                  nas fórmulas – só de prédios com estruturas em formato                  de asa, criou três. Ele e seus colegas também são  frequentemente                  atacados com argumentos como o do crítico americano  Kenneth Frampton, professor                  da Universidade Colúmbia. Em seus artigos, Frampton  afirma que o exagero                  gratuito nas formas por vezes compromete a  funcionalidade, quando não o                  bom gosto. 
Apreciem-se ou não, os  prédios-esculturas                  têm se prestado à função de lançar luz sobre    áreas decadentes e abandonadas – sendo às vezes decisivos na                  sua revitalização. Foi com o Museu Guggenheim, por  exemplo, que                  a cinzenta e sem graça cidade de Bilbao, na Espanha, se  tornou um fervilhante                  polo turístico. Em Lisboa, Calatrava deixou como legado a  monumental Estação                  do Oriente, cuja cobertura está equilibrada sobre  curiosas colunas que                  se assemelham a palmeiras. Quando surgiu, em 1998, a  construção                  chamou atenção para uma área industrial até então                  degradada, ajudando a atrair para lá novos prédios  residenciais                  e hotéis. Outro terminal concebido por Calatrava, este  para a região                  onde ficava o World Trade Center, em Nova York, inclui  um teto que tem a pretensão                  de imitar, por meio de enormes estruturas de aço, as  mãos de uma                  criança segurando uma pomba – projeto que deve ser  inaugurado em 2014                  e que o espanhol apresentou tal como um show, fazendo  vários rabiscos diante                  de uma plateia espantada. Seu museu para o Rio de  Janeiro, uma parceria entre                  a prefeitura e a Fundação Roberto Marinho, surgiu como  peça-chave                  de um ambicioso projeto de revitalização da empobrecida  região                  do porto, prometida até a Olimpíada de 2016. A  expectativa é                que o gigantesco caule de vidro e aço debruçado sobre a  Baía                  de Guanabara, de autoria de Calatrava, ajude a resgatar  uma área que, antes                  próspera, é hoje um símbolo de decadência. 
| Fernando  Alda/Corbis/Latin Stock  | 
| Edifício  em movimento O projeto do Museu do Amanhã (abaixo), que será erguido no Rio de Janeiro até 2012, é uma boa síntese da obra de Calatrava. Ali, veem-se as grandes dimensões típicas de seus prédios, estruturas em constante movimento e o desenho inspirado em formas da natureza – neste caso, o caule de uma planta, segundo ele. lá funcionará um museu dedicado à ciência e à tecnologia, orçado em 130 milhões de reais, em que o visitante terá experiências como um passeio virtual pelo universo e até pelas estruturas de uma célula. | 
| Fotos Joseph  Sohm/Corbis/Latin Stock e Divulgação  | 
| Gigantes  de aço O museu de Milwaukee, nos Estados Unidos (à esq.), e a ponte Alamillo, em Sevilha (à dir.): junção da engenharia com a arquitetura. | 
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário